Saturday, July 31, 2004

Porque saí do BE para o PS.

Exmos. Srs. da Comissão Executiva do Bloco de Esquerda,


Venho, por este meio, no seguimento da minha inactividade dentro do aparelho partidário, requerer a anulação da minha filiação no Bloco de Esquerda.

A minha saída não deve ser interpretada como uma mudança de convicções ou mesmo de ideais, pelo contrário, abandono o movimento com a certeza que “nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma”. Assumo pois, a responsabilidade de continuar a perseguir o sonho, mesmo fora do bloco contínuo a acreditar na liberdade. Com o bloco obtive experiências e ensinamentos que de certeza me serão úteis no futuro, em que continuarei a tentar modificar mentalidades e consciências, sempre no respeito pela diferença.

Em cinco anos, o Bloco de Esquerda pautou a sua actuação pela positiva. Todos os portugueses sentiram que “a Liberdade estava a passar por aqui” e várias forças de tradições distintas mas convicções unitárias juntaram-se e tentaram “começar de novo”. A Assembleia da Republica não conhecia um deputado da “esquerda revolucionária” desde que a UDP tinha perdido o seu assento parlamentar. O BE em duas legislaturas conseguiu eleger primeiro dois e depois três deputados, que honrosamente deram a sua vós pelo aborto, contra a globalização, em defesa das minorias sexuais, sociais e étnicas e promoveram sempre uma postura de frontalidade e combate.

É extraordinário como forças tão distintas conseguiram dar a mão, a heterogeneidade política do bloco constitui um dos seus maiores fortes, mas também um dos seus principais problemas. Lembro-me que aquando da fundação do movimento ouvi o Dr. Garcia Pereira (líder do PCTP/MRPP) proferir na televisão que “o bloco é uma feijoada ideológica”, nunca estive tão ciente de tal facto como agora e também do problema que este constitui. Se tomarmos o BE na totalidade dos seus aderentes, podemos facilmente concluir que este abarca tradições de vários movimentos tão distintos como FEC(ML) e MDP/CDE ou OCMLP e LCI, que sempre tiveram visões distintas não só do marxismo, mas também da política em geral.

O Bloco de Esquerda conseguiu unir toda uma esquerda heterogenia em torno dos problemas políticos e sociais da actualidade. Mas pecou por no meio desta heterogeneidade só ter conseguido abarcar movimentos de cariz “extremista” (não no sentido pejorativo da palavra). Na minha opinião é impossível construir uma verdadeira alternativa de esquerda para o nosso país se não tivermos uma visão europeísta da actualidade. Não podemos ser retrógrados ao ponto de continuarmos a encarar os agentes de produção como “capitalistas e proletários”, temos que ter a noção que depois do 25 de Abril já caiu o muro e abriu-se a “cortina de ferro”.



Bertolt Brechet num dos seus poemas referiu que “os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã”. E tem razão, contínuo a acreditar numa sociedade mais justa e em que a igualdade impere, mas sinto-me convicto que de certeza não passará pela “ditadura do proletariado”. O capitalismo só pode ser vencido com o auxílio da democracia, através de transformações políticas e sociais, que visem melhorar as condições de vida dos mais pobres, promover a igualdade e promover a transparência financeira.

O Bloco de Esquerda serve sem dúvida para mexer em tabus e alertar as consciências, promover o direito pela diferença, lutar pelo direito dos trabalhadores e dos estudantes e lançar vários desafios à sociedade. Mas quais são os efeitos práticos desta política? O bloco contínua a ser um movimento com pouca expressão, mas com muita projecção devido à maneira inteligente como vocês sabem usar a comunicação social. A globalização que vocês tanto criticam é utilizada para ganhar visibilidade, num eleitorado marcadamente urbano e esclarecido.

Na minha opinião, actualmente só existe um partido capaz de construir uma verdadeira alternativa à direita no nosso país. O BE não conta nem com uma base eleitoral, nem com meios para conseguir atingir o poder e governar, com a estabilidade que o nosso país merece e precisa. É urgente fazer várias transformações “de esquerda”, em vários sectores governativos, mas dentro de uma linha de moderação.

Perante a conjuntura actual, em que temos uma direita extremista minoritária a controlar os destinos do país, é urgente construir uma alternativa governativa viável. E tal alternativa pode e deve ser construída com o auxílio do BE e também de todas as outras forças de esquerda.

Só um partido que tenha esquecido os velhos dogmas e encare o futuro de uma forma progressista, pode assumir a responsabilidade de comandar o destino da nação, desenvolve-la e promover uma transformação social. É preciso que trabalhadores, empresários, comerciantes, intelectuais, humanistas, estudantes e ecologistas dêem as mãos para poderem enfrentar este desafio. Portugal merece.

Terminando, gostava de obter com a maior brevidade uma resposta ao meu pedido de cancelamento da filiação no movimento.

Os melhores cumprimentos,

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