Tuesday, August 17, 2004

A crise dos partidos e a emergência de uma outra política



O texto que tomei a liberdade de publicar é uma moção aprovada no ultimo congresso distrital do Partido Socialista de Aveiro e deve servir para todos os socialistas abrirem os olhos, num altura crucial como a que estamos a viver no PS.

A ideologia neoliberal rege o pensamento e a prática dos povos na chamada civilização ocidental contemporânea. Os partidos, da direita à esquerda, e sobretudo os partidos de poder transformaram a política na mais dura expressão dessa mesma ideologia, bloqueando a capacidade de construir novas respostas, adequadas à complexidade e aos graves problemas da profunda crise civilizacional da actualidade. A auto-crítica e a ousadia em encetar novos caminhos do “fazer política” é um passo urgente. Os partidos têm de assumir as suas responsabilidades históricas. Têm de reactualizar a democracia. Se o não fizerem, a descrença e o descrédito acentuar-se-ão a um nível letal e sem retorno. Será inviabilizada a afirmação de ideais que ajudem a Humanidade a superar os múltiplos becos sem saída a que este modelo de sociedade industrializada e neoliberal a está a conduzir.

Os partidos do socialismo democrático têm contribuído para o avolumar da massa politicamente indiferenciada dos agentes da ideologia dominante. Têm servido a lógica do totalitarismo de mercado, em quase todos os campos da acção humana. Têm-se descaracterizado ao colocar os seus referenciais do socialismo utópico e do marxismo na prateleira poeirenta do esquecimento e da inutilidade dos velhos ícones identitários. Não os reproblematizam, não os reintegram na edificação de uma nova e actual grelha interpretativa da realidade, que lhes permita edificar uma alternativa da esquerda, não só viável mas, sobretudo galvanizadora de vontades, transformadoras do mundo decadente e frustrante em que todos vivemos. É tempo de cumprirmos esse desígnio histórico da nova esquerda e do novo Partido Socialista!

Imbuídos de um pragmatismo imediatista e de um feroz individualismo egocêntrico, demasiados políticos têm prostituído a política aos poderes económicos, financeiros e mediáticos, numa crescente promiscuidade com os seus próprios interesses pessoais, tantas vezes travestidos de um aparente e ilusório interesse público. O resultado está à vista: uma sociedade mais injusta, cinzenta, castrante, confusa, onde o humano se esbate, o oportunismo campeia e os valores se diluem; uma sociedade em que uma globalização avassaladora vai nivelando por baixo a cultura, o sentimento da dignidade e da liberdade humana; uma sociedade em que os movimentos de resistência e de contestação passam cada vez mais ao lado do terreno da intervenção partidária.

Estamos a construir um partido de personalidades e não de militantes. De notáveis que se servem das comunidades, que neles acreditam e os notabilizam, obtendo em troca a indiferença, o desprezo e a esterilidade de ideias e de projectos que resolvam os principais problemas de requalificação da vida dessas mesmas comunidades.

Negoceia-se a partilha dos mais diversos poderes, estabelecem-se alianças de conveniência, de que resulta uma coesão baseada na constelação circunstancial de pequenos ou grandes apetites individuais. Instrumentalizam-se as pessoas e os procedimentos, à margem de qualquer projecto colectivo, alicerçado em ideais etico-políticos, estruturantes de um modelo de sociedade que se pretenda construir. Substituem-se a participação, o espírito de equipa, a dinâmica de grupo, a partilha de funções e responsabilidades, pela táctica do predador num universo regido pela lei do mais forte.

A criatividade, a ousadia, a irreverência e a dialéctica, são substituídas pela mediocridade, o seguidismo, a imitação, a hipocrisia e a retórica. A eficácia na consecução de quaisquer objectivos vale por si mesma, independentemente da avaliação criteriosa e colectiva desses mesmos objectivos, em função de princípios e valores que consubstanciem uma nova Utopia da esquerda.

O Partido Socialista, em Aveiro, tem agora uma liderança de projecto, que pretende combater este deslizar pantanoso para o grau zero da política. O Partido Socialista tem de imergir na sociedade real para, no terreno em que a história acontece, equacionar os caminhos do futuro. Tem de se assumir como organização mobilizadora de todos os homens e mulheres que ainda aspiram a tomar nas suas mãos o poder de gerir o próprio destino comunitário. Os dirigentes partidários, que sairão deste congresso da inovação, terão a oportunidade única e o desafio da reaprendizagem da nova política. Terão de pôr em marcha um processo generalizado de conscientização do estado da sociedade, nas várias frentes onde a crise avança pelo quotidiano das relações humanas, no confronto com as diversas condicionantes, económicas, culturais, ambientais, sociais e políticas. Terão de levar a imaginação ao poder. Uma imaginação livre e comprometida com a luta tenaz pela resolução dos reais problemas que minam o direito a uma vida mais saudável, justa e solidária. Terão de reinventar um Partido Socialista interventivo, exemplar, que arrisque na concretização prática de uma democracia plena, que se traduza numa efectiva equidade no exercício de direitos, deveres e oportunidades por toda a população. Uma democracia que não seja uma mera capa formal, a coberto da qual os privilegiados do sistema servem os poderes dominantes, servindo-se dos que lhes estão irremediavelmente subjugados.

Para que tal seja possível, a nova equipa terá de trabalhar mais na mobilização para o debate de ideias e projectos. Terá de cultivar uma atitude de desprendimento dos interesses e expectativas pessoais, reforçando o empenhamento com a sociedade, envolvendo-se com os que estão no terreno, articulando esforços para que o partido seja uma vanguarda crescente de militantes activos na construção de um ideal colectivo, onde o socialismo volte a fazer sentido, apontando com clareza e determinação qual a sociedade que queremos e como deveremos actuar para a edificarmos nos diferentes momentos e espaços da intervenção quotidiana.

O problema já não é distinguirmo-nos do PSD. O problema é distinguirmo-nos de nós próprios! O problema já não é como chegar novamente ao poder. O problema é como arranjar um futuro digno para este Distrito e para este País! O problema já não é a quem distribuir os cargos políticos. O problema é o que fazer com os cargos distribuídos! O problema já não é tomar a decisão politicamente correcta. O problema é que política fazer com a decisão tomada! O problema já não é como fazer política no PS, mas sim que PS fazer com a nova política de que Aveiro, Portugal e o Mundo precisam!
O estímulo deste imenso desafio deverá fortalecer a nova liderança na urgente campanha de mobilização da Federação de Aveiro do Partido Socialista, a caminho de uma outra política, para uma nova sociedade!

Aveiro, 06 de Abril de 2003.

Josias Gil, militante nº 8877.
Esmeralda Souto, militante nº 31585
Manuel Oliveira, militante nº46339

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